quinta-feira, 6 de março de 2014
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O dia em que Morri
Estranho?
Nem tanto.
Se depois de ler esse texto você achar
que ainda está vivo, ótimo!
Caso contrário,
é bom repensar se ainda existe algum sopro
de vida aí dentro.
Vou contar como tudo aconteceu.
A minha primeira parcela de morte
aconteceu quando acreditei
que existiam vidas mais importantes
e preciosas do que a minha.
O mais estranho
é que eu chamava isso de humildade.
Nunca pensei na possibilidade
do auto abandono.
Morri mais um pouquinho
no dia em que acreditei
em vida ideal, estável, segura e confortável.
Passei a não saber lidar
com as mudanças.
Elas me aterrorizavam.
Depois vieram outras mortes.
Recordo-me que comecei a perder
gotículas de vida diária,
desde que passei a consultar
os meus medos
ao invés do meu coração.
Daí em diante comecei a agonizar
mais rápido e a ser possuída
por uma sucessão de pequenas mortes.
Morri no dia
em que meus lábios disseram, não.
Enquanto o meu coração gritava, sim!
Morri no dia em que abandonei
um projeto pela metade
por pura falta de disciplina.
Morri no dia
em que me entreguei à preguiça.
No dia em que decidir ser ignorante, bulímica,
cruel, egoísta e desumana comigo mesma.
Você pensa que não decide essas coisas?
Lamento.
Decide sim!
Sempre que você troca uma vida saudável
por vícios, gulodice, sedentarismo,
drogas e alienação intelectual, emocional, espiritual, cultural ou financeira,
você está fazendo uma escolha
entre viver e morrer.
Morri no dia
em que decidi ficar
em um relacionamento ruim,
apenas para não ficar só.
Mais tarde percebi que troquei
afeto por comodismo
e amor por amargura.
Morri outra vez,
no dia em que abri mão
dos meus sonhos por um suposto amor.
Confundi relacionamento com posse
e ciúme com zelo.
Morri no dia
em que acreditei na crítica
de pessoas cruéis.
A pior delas? Eu mesma.
Morri no dia
em que me tornei escrava
das minhas indecisões.
No dia em que prestei mais atenção
às minhas rugas
do que aos meus sorrisos.
Morri no dia
que invejei , fofoquei e difamei.
Sequer percebi o quanto havia
me tornado uma vampira
da felicidade alheia.
Morri no dia
que acreditei que preço
era mais importante do que valor.
Morri no dia
em que me tornei competitiva
e fiquei cega para a beleza
da singularidade humana.
Morri no dia
em que troquei o hoje pelo amanhã.
Quer saber o mais estranho?
O amanhã não chegou.
Ficou vazio... Sem história, música ou cor.
Não morri de causas naturais.
Fui assassinada todos os dias.
As razões desses abandonos
foram uma sucessão de desculpas e equívocos.
Mas ainda assim foram decisões.
O mais irônico de tudo isso?
As pessoas que vivem bem
não tem medo da morte real.
As que vivem mal
é que padecem desse sofrimento,
embora já estejam mortas.
É dessas que me despeço.
Assinado,
A Coragem
Lígia Guerra
O Dia em que Morri
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